sábado, 18 de junho de 2011

Um Delírio XI

Nicholas Poussin
The Funeral of Phocion, 1648


(continuação)

O espelho que se encontra à minha frente, reflecte uma figura escura, estranha, distante.A cara alegre de outros dias, está fechada, triste.Os olhos vermelhos, inchados. A pele envelheceu séculos. O olhar, fundo, vazio.Esta dor, agonizante que não me deixa respirar, dificulta o meu viver, está cada vez mais entranhada no meu corpo, no meu ser.
"-Maria, temos que ir."

"-Vou já, mãe!" - digo muito baixo.
Escovo o cabelo mais uma vez. Fecho os olhos e por mais que queira, não consigo chorar. A dor é tão forte, que me bloqueia.
"O meu pai! O meu querido pai! Partiu! Agora foi-se embora!" é aqui que está o meu pensamento.
Lá fora, o sol brilha. Mas esse brilho, ao contrário de outros dias, não alegra a minha alma.
Ao encaminhar-me para a porta revejo toda a minha curta vida. Em todos os momentos lá estava o meu pai. Até quando me perdi, ele foi o primeiro a chegar perto de mim.
Ao entrar na sala, reparo que está cheia, mas a dor intensa, nem me deixa ver quem lá se encontra. Aceno a cabeça em sinal de cumprimento. O olhar encontra pessoas, mas o pensamento não consegue distinguir quem são.
O cemitério sempre foi um sítio que me deixava melancólica, distante. Ao passar ao seu lado, a caminho da escola; verão, inverno, sol, chuva, neve, todos esses momentos foram perturbantes.
E, agora estava ali. E nada do que imaginava estes anos todos, era real. O sítio era calmo, de paz.
Estava a olhar para o meu pai.
Agora tinha a certeza que era a última vez!
Ali, aquele momento, aquela imagem era a última recordação do meu pai.
Ouvia o choro da minha mãe, de alguns dos presentes, e a minha alma encontrava-se tão dolorosa, tão dolorosa.
Os meus olhos tentaram encontrar o José. Não me tinha apercebido se ele estaria presente, mas naquele momento pensei nele. Olhei em volta e não o encontrei. Onde estaria?
Senti a minha mão ser segura.
Era a minha mãe. Olhou para mim e nos seus olhos eu vi uma tristeza tão grande.
"-É agora, Maria! Vai partir para sempre!"
Agarrei-me com toda a força à minha mãe. Os meus braços envolveram o seu corpo, as minhas mãos agarraram com toda a força as suas costas e nesse momento o meu mundo ruiu, desabou para todo o sempre. Senti as minhas pernas fraquejar, enquanto toda a força do meu corpo se concentrava naquele abraço a minha mãe. As lágrimas saíam sem eu ter controlo nelas. A dor tão profunda no meu peito, no meu ser, no meu corpo. Chorei!!
Enquanto o meu pai descia até à sua última morada, a dor ficava cada vez mais forte, das minhas mãos escorria sangue!
Aos poucos as pessoas iam embora. Sentia a minha mãe mexer a cabeça. Ninguém se aproximava de nós.
Os meus joelhos tocavam o chão. Os meus braços abraçavam agora as pernas da minha mãe.
As lágrimas caíam ininterruptamente!
O sol estava baixo no horizonte.
Nenhuma das duas tinha saído do seu lugar.

(continua)

14 comentários:

  1. Perdi o post anterior... terei que le-lo primeiro e regressar a este.

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  2. Catarina.
    Não perdeu nada, é só seleccionar a etiqueta "Delírios" e lê lá todos.
    Um abraço!!

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  3. Ah! Atrapalhei-me um pouco! Tive dificuldade em encontra-los.
    Abracos.

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  4. Carlota
    Arrepiei!!! Li este e os trez primeiros.
    Beijo

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  5. Catarina.
    Uma mulher atrapalhada é pior que um homem bêbado, Sempre ouvi dizer eheheheh.
    O que interessa é que encontrou.
    Um abraço!!

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  6. Flor de Jasmim!
    Esse arrepio terá sido bom ou mau?!?

    Um abraço!

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  7. Ahah Carlota, voce hoje so me faz rir. Na verdade ainda comecei a frase :Uma mulher atrapalhada e pior... " mas fiquei por aqui e depois optei por apagar! Isto e o que se chama "estar em sintonia cosmica" - inter-continentes! ahah!

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  8. Cara Catarina.
    Ainda bem que a faço rir, por vezes as minhas trapalhices têm destas coisas, eheheh.

    Seja então uma sintonia cósmica inter-continental, eheheh

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  9. Muito bonito e triste. Mais sentido desta vez? Pareceu-me.
    beijinhos

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  10. MJ! Nada lhe passa ao lado.
    Explico melhor num e-mail.
    Beijokas!!

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  11. Não demore na continuação ... seguimos as 5 curiosas. Muito bom isso que escre.

    bjs - 5

    Cozinha dos Vurdóns

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  12. Caras Amigas da Cozinha dos Vurdóns!!
    Também não quero demorar, mas por vezes o tempo é tão pouco. Mas vou tentar...

    5 beijos como a brisa a ondular na seara do meu Alentejo, quente!!!

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  13. Momentos de grande tristeza. Muito bem escrito, que nos mostram a menina Carlota no seu melhor. Gostei.

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