segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Uma grande perda

A nossa vida é feita de encontros e desencontros.
Cada pessoa que encontramos ao longo da nossa existência deixa em nós marcas mais ou menos profundas, conforme a intensidade do nosso conhecimento.
Conforme os anos avançam, vamos perdendo pilares que nos sustentam no dia a dia, formando-nos como pessoas, como profissionais.
Mas quando alguém parte cedo demais, uma parte de nós fica marcada como se de uma cicatriz se tratasse, para todo o sempre. Pequenas lembranças, sorrisos, vivências é tudo o que fica.
Quem hoje partiu foi uma pessoa muito importante na minha vida, a vida profissional. Em mim apostou cegamente, sempre me tratou como igual, pequenas confidências pessoais, e o seu perfume sempre presente cada vez que chegava ao serviço, não era preciso vê-lo para saber que lá estava, eheh.
Quando mais precisei, esteve lá.
Só quero recordar o bom, também não há mau para esquecer.
Lutaste uma luta inglória, sofreste até ao fim.
Irei recordar-te como sempre.
Um grande Amigo.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Desejo a todos os meus seguidores e visitantes um Santo Natal!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

V Antologia de Poetas Lusófonos

“ILUMINA A MINHA LUZ”
Quando o quarto minguante 
lá do alto vai rompendo 
Deixa o céu envolto em prata
Um raio de luz vai nascendo

Movo montanhas, serras e penhascos
Na busca incessante do teu ser
Perco-me, sozinha na noite
No frio procuro me aquecer

A noite continua o meu refúgio
É nela que me sinto segura
Quantos olhos observam
no seu olhar, mais uma criatura

Ouço a tua voz chamar por mim
Ao longe contemplo simples luminosidade
É a chama do Amor
Que nos envolve pela imortalidade 


Ao longe, a luz teima em espreitar
Inquieta o meu frágil ser
Brilhos que ofuscam o dia
Parto, agitado, alteração do meu viver.

Por montes e vales, percorro
Em busca de quem me atormenta
Na penumbra alimento a minha dor
Uma dor que me apoquenta, violenta

Nuvens trespassando os céus
Acompanham o meu caminho
Sigo inglória, em busca da luz
Um trilho que sigo, sozinho!


“PERDIDA”
Perdida na noite
Sem rumo
Perdida de ti
Sem destino
Procuro e não te encontro
Procuro e não te sinto
Deixaste-me sozinha
na solidão
desamparada, triste
Com saudades de te ter
junto a mim
Com saudades de te sentir
dentro de mim
Continua à procura
Sozinha
Perdida...na noite

Prados no Olhar - Colectânea Ocultos Buracos - Pastelaria Estúdios Editora

Naquele momento o sangue escorre pela minha boca como fogo queimando mais que a pele, ardendo mais que os anos passados. Um vermelho intenso, único. Esta é a minha natureza, dúbia, viva, morta, sempre à espreita de escolher entre o certo e o errado. Aos poucos, o corpo que se encontra junto a mim, vai perdendo o quente da vida.
A cada entardecer preparo-me para a saída triunfal. Não é uma situação que me deixe feliz. Por vezes a escolha é difícil, mas o meu “faro” é apuradíssimo a detectar doenças ou pequenas fragilidades humanas. Não posso colocar em risco a minha “saúde” se mordesse um humano doente.
Aconteceu uma única vez no início da minha vida noctívaga. A experiência não era muita na altura, e quando a sede chegava era uma luta constante até encontrar alimento. Valeu-me a ajuda do meu criador, Fausto, um ser belo, irresistível ao olhar feminino das humanas. 1,90m, cabelo grisalho (embora não fosse tão velho assim), corpo torneado pela prática desportiva. Não havia nenhuma mulher, humana ou vampírica que não o olhasse mais do que uma vez quando passava. Comigo foi diferente.
Naquela noite fiquei a terminar um relatório importante. Só dei pelas horas passarem quando o meu estômago reclamou. Arrumei a secretária e quando ia apagar as luzes, tive a sensação de estar a ser observada. “Só pode ser imaginação!”
Quando cheguei à rua, a brisa que se levantou no momento fez chegar até mim o cheiro a tosta mista. Havia um café ao fundo da rua, seria de lá o cheiro? Segui até lá. Não havia muita gente. Enquanto esperava o pedido, reparei em alguém sentado no fundo da sala, parecia alto, cabelo grisalho. Quando o nosso olhar se cruzou, ele sorriu e senti os meus lábios sorrir. “Como sorrir?! Eu não conhecia aquele homem!”.
Depois de ser atendida, saí o mais rápido que me foi possível. No caminho de volta para o carro, senti passos atrás de mim. Com receio não olhei, mas fui sentido, cada vez mais intensamente, uma presença “colada” a mim, e antes que me pudesse voltar, senti uma mão puxar por mim fortemente para trás e antes de desmaiar, fiquei com a sensação que estava a voar.
Não sei quanto tempo fiquei desmaiada, e ao acordar vi alguém sentado a meu lado, olhando-me de uma maneira fria, distante. Os seus olhos estavam tão negros.
“Nada temas!”
Era o homem que estava no café e que tinha sorrido para mim. Fiquei imóvel. Chegou-se mais perto, e a sua boca encostou-se serenamente perto do meu coração. Um beijo! Senti um beijo no meu peito. O coração bombeava o sangue rapidamente, o meu corpo escaldava. Sentia cada bombear ao segundo, ao milésimo até um pequeno rasgo ser feito e nesse momento a minha cabeça “explodiu”. Sentia o sangue a afluir ao pequeno rasgo feito na pele, abandonando o meu corpo, servindo de alimento aquele ser. Enfraquecia rapidamente e nesse momento mil pensamentos convergiam na minha cabeça e arfante consegui dizer: “-Nada temas!”
O homem ficou surpreso com o que disse. O seu olhar encontrou o meu, baixou a cabeça e envergonhado disse: “-Prometo cuidar de ti!”
Desmaiei e a partir daquele dia, a partir do meu novo acordar, a minha vida nunca mais foi a mesma. “Era uma vampira!” Fausto tinha-me transformado. Até então nenhuma das suas vítimas tinha sobrevivido. Ao longo dos anos fui aprendendo tudo o que seria possível para sobreviver com o meu Mestre. Mesmo num dos momentos mais drásticos para o mundo vampírico, tínhamos conseguido sobreviver graças à sua sabedoria.
Certo dia, um descuido meu colocou em risco a nossa sobrevivência. Ainda não conseguia controlar tão bem a minha sede, e o “faro” ainda não estava tão apurado. Mordi um humano doente, e quando me quis levantar não consegui. O sangue fervilhava dentro do meu corpo ferozmente, o doente ia atacando o meu organismo, ia morrendo aos poucos. Como se fosse possível uma morta-viva, morrer de novo! Passaram algumas horas até que Fausto me encontrasse e quando viu o meu estado, deu-me do seu sangue a beber. Quando os meus lábios entraram em contacto com a sua gélida pele, sugaram violentamente o seu sangue, deixando-o bastante debilitado. Quando acordei e vi o estado em que o tinha deixado, fui em seu auxílio. Cacei para o salvar. Éramos a dupla perfeita, tão perfeita que muita gente nos queria ver “mortos”. Uma emboscada afastou-nos para sempre. Fausto foi derrotado por Vicente o vampiro mais antigo e eu fiquei presa durante alguns anos até conseguir escapar. Agora vivia escondida dos humanos, escondida dos vampiros, desconfiando de tudo e todos. Por mais que me escondesse, por vezes encontrava vampiros prontos a acabar comigo.
Mais uma mudança de casa. A nova habitação fica na cave de um velho edifício. Não tem muito movimento e um banco de sangue perto, é uma mais valia. Quando o último turno acaba, e já não há ninguém no edifício, saio do meu esconderijo, vagueando pelos corredores vazios. Uma vez por outra “desvio” um pequeno saco de sangue. Aqui não há o perigo de adoecer sendo o sangue analisado. Abrir a arca frigorífica, escolher o grupo sanguíneo mais apetitoso, segurar o sangue fresco nas mãos, senti-lo escorrer pela boca é uma sensação maravilhosa. Tão maravilhosa como o facto de saber que não matei ninguém para o obter.
Uma noite mais.
O vento sopra forte fazendo a folhagem voar pelo ar, assobiando ao passar pelas fissuras das janelas e das portas. Percorro o parque da cidade, observando os poucos resistentes que ainda por ali andam.
Começo a sentir fome. O meu olfacto tenta decifrar o melhor alimento, mas esta noite é pouca a escolha.
Não muito longe da casa que me serve de abrigo, vejo que alguém me observa. Não consigo deixar de olhar para o meu observador, aquele olhar faz-me recordar o verde dos prados numa manhã de primavera. Pouco a pouco chegamos perto um do outro. Não sinto medo e “sinto” que do outro lado também não há. Vejo um sorriso e antes que tenha tempo de reagir, já dois “torpedos” (seres inimigos de humanos e vampiros) me seguram, enquanto o rapaz dos olhos verdes me injecta uma substância que começa pouco a pouco a lutar contra o meu organismo. Não estou a morrer, ainda, mas o meu corpo não reage a estímulos, nem ao meu pensamento. Ouço-os rir, um sorriso de vitória.
“- Conseguimos! Vingança!” Nenhuma das faces são familiar.
Após verem que não reajo, pegam em mim, atiram-me contra a parede, caindo o meu corpo desamparado no chão. Murros, pontapés, pequenos golpes de navalha, rasgam o meu corpo. Não sei que substância me injectou, apenas sei que me está a tornar humana? Sinto cada golpe desferido, os jorros de sangue salpicam o chão, a parede, inundam o meu olfacto, deixam-me moribunda.
“- Porque não me consigo defender? Sou uma vampira!”
“- Finalmente uma arma contra os vampiros. Agora é aguardar para ver o final.” – ouço-os dizer.
Já pouco de mim sinto. Os golpes são fortes, ou está enfraquecido o meu corpo? Não sei o que pensar, o que sentir. Nada mais há a fazer, quem quer que sejam, estão a matar-me.
“- Vem aí alguém. Vamos embora!” O campo de visão reduzido não me deixa visualizar o que se passa, o meu corpo não se mexe. Ouço-os correr em direcções opostas.
Algo soprou na minha direcção, alguém está a pegar-me ao colo. Quente! Sinto calor como já não sentia há muitos anos. Fecho os olhos, e demasiado fraca, desmaio.
Sangue! Sinto o cheiro de sangue. Por dentro, o meu corpo luta por sangue, uma luta interior, intensa, agoniante.
“- Eu sabia que existias! Se não me fizeres mal, eu ajudo-te!”
“ Como posso fazer mal, se não me mexo?!” – penso.
Uma mão percorre o meu corpo, tocando-me levemente. Acaricia a minha face, os meus olhos, os meus lábios. Sinto uma pequena pressão na minha boca, fazendo com que ela se entreabra. Pequenas gotas de sangue, escorrem pela minha boca, pela minha garganta, alimentando-me, fazendo-me viver a cada segundo passado. A fome é intensa, e após o primeiro saco, segue-se outro e mais outro, fazendo renascer o meu corpo, sarando feridas e golpes. Estou a sentir o meu corpo, de novo!
Subitamente levanto-me, e antes que o meu “salvador” se aperceba, salto para cima dele, derrubando-o contra o chão. Uma das minhas mãos está no seu pescoço e a outra prende uma das mãos, e as pernas entrelaçam as dele, imobilizando-o. Os seus olhos estão fechados.
“- Quem és?!”
“- Sou o novo analista. Chamo-me Gabriel.”
“- Foste tu quem me salvou?”
“- Não. Tu é que te salvas-te, eu só ajudei. Estava a passar quando te vi caída no chão, ferida e trouxe-te para o meu serviço.”
“- Sabes quem sou? Sabes o que sou?”
“- Sim, sei quem és, e o que és.”- pouco a pouco as minhas mãos soltavam-no.
“-Abre os olhos!” – as pálpebras entreabriram-se e o verde dos prados, sobressai de novo à minha frente. “-Tu!!” A minha ira, a minha raiva toma conta do meu corpo, da minha mente. Só penso em acabar com aquele “torpedo”.
“- Não sou quem pensas, espera!” A minha boca, os meus dentes encontram-se perto da jugular pulsante, bombeando o sangue que aguça cada vez mais o meu apetite, mas algo faz-me parar. Observo o ser à minha frente. Não tem nenhum corte, nenhum hematoma, a pele branca reluz sem nenhum sinal de luta, mas no corpo deitado por baixo do meu, algo chama a minha atenção. Por baixo, como se de uma cama se tratasse, está um aglomerado de penas negras, parecendo asas.
“- Quem és tu!?”- pergunto, levantando-me de seguida.
“- Não te quero fazer mal, simplesmente fui o isco para te apanhar, mas não podia deixar que “os torpedos” te matassem. Como te disse, chamo-me Gabriel e sou um Anjo Negro. De dia, analista, há noite, vagabundo do tempo. Foi numa das minhas saídas nocturnas que te conheci e desde esse dia que te observo sem dares conta. Sei que por vezes te abastecesses aqui na clínica, e que te sentes mal, triste, quando tens que matar alguém.”
“- Cala-te! Não sabes quem sou, nem me conheces o suficiente para falar.”
“- Na noite que foste mordida por Fausto, era eu quem te observava quando estavas no escritório. Desde aí tenho-te seguido. Perdi-te o rasto durante uns anos, mas quando te reencontrei nunca mais te deixei.”
“- E onde entram os “torpedos”?”
“- Certa noite vi-os perto da clínica, falavam de ti. Um deles segui-te e descobriu o teu esconderijo. Fiz-me amigo deles. Um dos dons dos anjos é fazer amigos depressa. Ouvi-os planear a tua emboscada e ofereci-me para ser o isco. Enquanto estavam distraídos contigo, reapareci como anjo para os assustar e o resto já tu sabes.”
“- E agora? Eles sabem onde estou.”
“- Eles pensam que morreste, consegui-os despistar para bem longe daqui. Basta que durante uns tempos não saias.”
“- Tenho que sair. Como me vou alimentar?”
“- Alimentas-te aqui na clínica. Já te perdi uma vez, não te quero perder de novo.”
Os olhos verdes sorriam para mim, Através deles “vi” os prados que um dia conheci com Fausto. Estava a ser hipnotizada por aquele olhar e pela segunda vez em toda a minha vida, estava a deixar.
Durante o dia mantinha-me escondida, praticamente como sempre tinha sido, e durante a noite deixava-me levar pela presença, pela beleza, pelas palavras de Gabriel. Estávamo-nos a descobrir mutuamente e teríamos toda a eternidade para o fazer e o melhor de tudo, nunca mais tinha morto ninguém para viver, para sobreviver.
Gabriel olhou para mim, sorriu e com as suas asas envolveu o meu corpo. Encostei a cabeça no seu tronco quente e ouvi o bater do seu coração bombeando o sangue veloz. A minha língua saboreou os meus lábios, estimulando o apetite por aquele sangue meloso. Os dentes saíram aguçados e suavemente penetraram a pele adocicada do anjo negro, deixando o sangue escorrer pela minha boca, alimentando-me.

O Anjo - Colectânea Corda Bamba - Pastelaria Estúdios Editora

Ao entardecer o nevoeiro vai descendo a encosta, cobrindo a cidade com um manto espesso. O vento sopra forte, fazendo rodopiar a folhagem que se encontra pelo chão.
Do alto de uma torre, alguém observa toda a atmosfera que envolve a cidade. O seu olhar observa para além do que o comum dos mortais consegue visualizar. Há séculos que aquela é a sua casa, aquela a sua cidade. Cidade que foi vendo ser construída a pouco e pouco. Um início tão diferente do que agora se apresenta. Aos poucos o betão foi ganhando terreno ao denso bosque. Dezenas, centenas, milhares de pessoas já passaram por si. Já o contemplaram, adoraram, idolatraram e até mesmo o odiaram.
Aquela era a sua sina. De dia uma estátua imóvel, fria, rude; de noite um anjo caído, um anjo que o único erro que cometeu foi o querer ser um comum mortal.
A angústia, o sofrimento de início, deu lugar a um coração vazio, a uma alma solitária. Quantas histórias de amor tinha visualizado, presenciado ao longo dos tempos. Quantos encontros, desencontros, amores, paixões, loucuras, traições, os seus olhos tinham visto, a sua alma sofrido.
Nunca soube o que era o amor. Nunca, nenhuma mulher, tinha feito o seu coração bater mais rápido, tinha conseguido transformar a gélida pedra em fogo ardendo de paixão.
O nevoeiro continuava a sua caminhada pela encosta. Não tardava muito para que a sua forma imóvel ganhasse vida e pudesse deambular sozinho pela cidade.
A poucos metros dali, um carro passa na rua.
“Não posso ir, compromissos inadiáveis!” – esta era a resposta que gostaria de ter dado à sua prima. Encontrar toda a família no fim de semana, não era propriamente agradável. Já estava a ouvir a tia Josefina e avó Teresa a papaguear: “Então o namorado?”, “Quando será a tua vez?” O acidente dos seus pais, anos antes, tinha sido o início desse afastamento.
Com estes pensamentos nem se tinha apercebido que tinha escurecido. Depois de passar na loja para comprar o vestido, seguiu viagem.
Olhou uma vez mais para o banco ao lado. Em cima do assento a caixa com o vestido acabado de comprar, que só iria usar no casamento da prima e teria o mesmo fim que os outros: armário.
Com tanta distração e pensamento com o vestido acabou por se perder.
Ao longe o céu iluminava-se em raios que rasgavam por entre as núvens negras. A chuva começou a cair cada vez mais forte. Não gostava de conduzir a chover, era melhor procurar um abrigo.
Uma luz ténue assinalava a entrada de um prédio. Não gostava muito de andar à chuva, mas não iria ficar dentro do carro à espera que a tormenta passasse. Abriu a porta e correu até à entrada do prédio. Era pouca a distância mas mesmo assim, ficou toda molhada.
A porta encontrava-se aberta. Entrou.
Era uma casa antiga. Um grande hall deixava ver uma escadaria em madeira trabalhada, lindíssima. À direita um pequeno corredor que tinha uma única porta ao fundo. À esquerda uma ampla janela que deixava ver o temporal lá fora.
“-Está aqui alguém?” a sua voz ressoou por toda a casa.
Ficou com receio de seguir. Voltou-se para sair, quando ouviu uma voz vinda do fundo do corredor, à sua direita.
“-Pode entrar, já aí vou.” Pareceu-lhe uma voz calma, que a sossegou.
Após as formalidades das marcações, uma senhora já de idade encaminhou-a ao quarto. Subiu as amplas escadas e seguiu à direita por um corredor escuro, cheio de pinturas, pouco iluminado. Engraçado, aquelas pinturas pareciam que a observavam. Deu por si a sorrir ao pensar em tal disparate.
Pararam defronte de uma porta larga.
“-Eis o seu quarto, menina!”
“-Obrigado!”
“-Se precisar algo, é só tocar a campainha.” e foi embora.
Depois da porta se fechar, olhou em volta para o quarto. Uma cama no meio do quarto, com um dossel, um tocador à sua esquerda, com um espelho trabalhado, ao lado um grande armário. À sua direita uma enorme janela que dava para um terraço.
Depois de colocar a pequena mala em cima da cama, chegou-se perto da janela. Tinha deixado de chover. Abriu as vidraças. Uma aragem fresca entrou pelo quarto. Seguiu até ao parapeito e observou a vista dislumbrante que dali se contemplava. Mesmo de noite escura, a vista era magnífica. Deixou-se ficar, sem dar pelos minutos passarem.
Quando se voltava para entrar de novo no quarto, viu uma estátua de pedra. Chegou-se um pouco para a examinar, A sua mão tocou numa textura rugosa, gélida. Naquele momento o seu coração bateu fortemente. A textura rugosa pareceu-lhe que tinha ficado lisa. “Que loucura!”
Voltou-se, entrou no quarto e fechou as vidraças, deixando o pouco luar que teimava aparecer por detrás das nuvens entrar pelo soalho até à cama.
“Quem é esta rapariga? Porque me tocou no momento em que o meu corpo começou a sua transformação?” Deixou-se ficar sossegado, até sentir que ela dormia.
Passaram alguns minutos.
As nuvens estavam mais dissipadas, deixando um mágico luar inundar a noite.
Entrou no quarto tentando não fazer barulho.
Na sua cama dormia uma jovem que não sabia quem era. Uma jovem que tinha teimado em lhe tocar. Um toque que nunca tinha sentido. Um toque que tinha feito o seu duro coração, derreter.
Sentou-se na beira da cama, contemplando a jovem. A pequena almofada encontrava-se desenhada por um farto cabelo ondulado.
Suavemente a sua mão desenhou no ar o contorno da cabeça, passando pelo pescoço, descendo pelo corpo. Um perfume exalava do seu corpo, inebriando o seu ser, o seu corpo angelical. “Quem é esta mulher?” Fechou os olhos e visualizou todos os séculos da sua vida, tentando encontrar perdido no tempo, alguma presença daquela mulher na sua vida. Nada. Nunca nenhuma mulher lhe tinha tocado no momento da sua transformação. Na sua forma de pedra já tinha sido tocado tanta vez, no entanto na sua forma humana nunca se tinha deixado ser visto por ninguém. Quem iria tocar-lhe tendo ele asas?
Com todos estes pensamentos, nem deu por Orquídea (assim se chamava a jovem) ter acordado, estar sentada na cama a vislumbrá-lo. Nunca tinha visto ninguém assim. O tronco nu deixava ver nas costas umas asas fechadas que as tapavam. Parecia alto, magro. Só podia ser a imagem de pedra que estava na rua. Olhou para o sítio onde a tinha visto a última vez e não estava lá.
Quando olhou em frente, os seus olhos encontraram os do seu Anjo.
Estavam os dois assustados, não pelo medo, mas pela surpresa daquele encontro.
O Anjo levantou-se e ia a sair, quando Orquídea lhe pegou na mão.
“-Não vás!”
Orquídea levantou-se e ficou mais perto do Anjo.
As suas mãos continuavam unidas, entrelaçadas. O encontro do seu olhar tocou fundo o coração de cada um. Um pequeno abraço uniu os seus corpos.
Olharam-se de novo. Suavemente os seus lábios tocaram-se, como se não soubessem o que fazer a seguir. As suas mãos tatearam os seus corpos, descobrindo-se mutuamente. O receio inicial foi dando lugar à paixão ardente que os seus corpos exalavam.
O Anjo aconchegou Orquídea junto a si e as suas asas tocaram o seu corpo despido. Os seus lábios exploraram cada pedaço do seu corpo. Orquídea tocava o corpo angelical, escaldando de desejo, de paixão.
Entre beijos e carícias suaves, os dois corpos uniram-se num só. Nesse momento os seus olhares encontraram-se e em pensamento disseram “Amo-te”.
O luar foi testemunha de uma noite de paixão.
Quando a manhã chegou, Orquídea encontrava-se sozinha na cama. Teria sonhado?
Levantou-se e correu até à janela. Lá fora, a estátua de pedra angelical, continuava no mesmo sítio. “Foi real! Eu sei que foi real!”
Depois de se arranjar, desceu as escadas e saiu.
Ao entrar no carro, olhou para o embrulho no assento ao seu lado e em cima dele encontrou uma pena. Sorriu e seguiu viagem.
À noite quando entrou no seu quarto, o Anjo encontrou um pequeno bilhete em cima da cama:
“Agora que te encontrei, nunca mais te irei deixar.
Eternamente tua.
Orquídea”
Sorriu e disse baixinho: “Ad' tejavel”

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O Fim

Como tudo na vida há um início e um fim para todas as coisas, para todas as situações.
No início deste blog, o propósito com que foi criado fez renascer em mim uma vida que há muito tinha perdido. Não que tivesse receio ou medo das coisas que aqui escrevi, mas enquanto ninguém sabia que eu as escrevia sentia-me livre. Neste momento sinto-me agrilhoada como Prometeu.
Perdi a vontade de escrever, de ler. Até o sorriso sai cada vez mais forçado.
Hoje é o último dia que aqui escrevo, este blog deixou de fazer significado para mim. Guardarei alguns dos post`s que aqui tenho para um dia mais tarde recordar e quem sabe até sorrir.
Irei aqui publicar as duas histórias que escrevi para as Colectâneas da Pastelaria Estúdios Editora e os dois poemas seleccionados para integrar a V Antologia de Poetas Lusófonos.
Como não gosto de dizer "Adeus" fica um "Até já!".
Carla David