quinta-feira, 2 de junho de 2011

Um Delírio - X

Le Jour des morts, 1859, William-Adolphe Bouguereau

(continuação)

Senti o seu corpo ficar tenso. O seu abraço continuava forte. Senti os seus braços envolverem o meu corpo, sufocando-me.
"-Porquê desculpa?!" - a minha voz saiu sumida, abafada pelo medo.
O seu corpo afastou-se um pouco. O nosso olhar encontrou-se, de novo.
"-Maria, tens 15 anos! Eu tenho 40. Não podemos, não devemos!"
Fechei os olhos. As lágrimas teimavam em sair. Não queria que me visse chorar. À minha memória vieram algumas das românticas heroínas, que povoavam a minha imaginação, que "saltavam" dos livros que folheava apaixonadamente.
Esta era a dor da rejeição, do incorrecto, que algumas vezes lera. Esta dor, insuportável que se alojou em meu peito, que me cortava a respiração.
"-Minha pequena, Maria. Que irei fazer contigo?"
Senti, os seus lábios tocarem os meus.
"-Anda! Temos que ir ver como está o teu pai. Ele está muito mal. Tens que ser forte!"
Não percebi porque estaria José a dizer aquelas coisas. "Ver o meu pai?" , "Ser forte?" não entendia.
Fomos andando pelo riacho. As nossas mãos iam juntas! Ia de mãos dadas com José! Não senti os minutos passar, nem tão pouco a beleza do riacho me cativava como em outros passeios. José falava comigo, mas o meu pensamento, o meu espírito encontrava-se lá atrás. Tinha ficado no sítio onde demos o nosso primeiro beijo. O meu primeiro beijo.
Senti a sua mão agarrar a minha fortemente. Olhei para ele.
"-Que se passou?"
"-Promete-me que vais ser forte!"
Não estava a entender o que ele queria dizer. Os meus olhos tentavam encontrar um ponto que me fizesse perceber o que se passava.
"-Maria, promete!" - a sua voz forte, possante, assustou-me.
"-Prometo."- respondi envergonhada.
Quando chegámos perto de casa, vi algumas pessoas à porta. Umas choravam, outras olhavam em silêncio para longe. "O MEU PAI!!!!".
Soltei a mão das de José, corri, corri até não poder mais. A ânsia de chegar a casa. Queria ver o meu pai. "O que se estava a passar?!".
Passei pelo amontoado de gente, empurrando alguns, tropeçando noutros. Não pedia desculpa, nem queria saber se magoava alguém. Entrei.
A minha mãe encontrava-se à cabeceira da cama onde o meu pai estava.
Senti a mão de José puxar-me.
"-Forte!" - ouvi ele dizer baixinho.
"-Pai, estou aqui."
Cheguei perto da cabeceira. As minhas mãos tocaram as do meu pai. Frias, gélidas. O seu olhar encontrou o meu. Tentou sorrir. O seu olhar sorriu ao ver-me.
"-Minha pequenina! Meu doce!" - a sua voz saía tão sumida. A sua respiração arfava.
"-Estou aqui, paizinho! Estou aqui!". Debrucei-me sobre a sua face. "Mil" beijos saíram dos meus lábios. Pequenas lágrimas caíam. Tudo o resto parou. Era só eu e o meu pai, ali. Nada mais existia. Aquele momento era nosso. Os nossos olhos "falavam" por nós.
"-Maria, serás sempre a minha flor, a minha fada."
"-Não fale, que se cansa."
"-Está aí o José?"
"-Sim, senhor. Estou aqui." - respondeu José, já perto de nós.
"-Sabes o que tens que fazer. Promete-me!"
"-Fique descansado! Tratarei de ambas."
"Tratar de ambas? Promessas?"- O que se estava a passar ali? Agora não interessava. Tinha que saber o que estava a acontecer com o meu pai. Ficar ali ao pé dele. Aconchegá-lo.
Senti a sua mão pegar a minha fortemente. Os seus olhos encontraram os meus. Amor, pena, tristeza. Tudo o que o seu olhar transmitiu. Agarrei-o bem forte. Os meus lábios repousaram suavemente na sua testa.
"Amo-te!!" - disse o meu pai, num som que só eu consegui ouvir.
Os olhos fecharam-se. Uma lágrima correu. Não se moveu mais.
"NÃO!!!!!!" - a minha voz soou tão forte como se rasgasse o meu peito pela dor que senti.

10 comentários:

  1. Pedro: Nada disso! Muito longe!
    Infelizmente para mim, não tive tempo de me despedir, aconteceu tudo muito rápido, rápido demais...

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  2. uma história que sigo antentamente. sempre desejoso de saber pais. Agora ao ler este novo capitulo, fiquei sem palavras. Consegui viver cada palavra, cada momento, cada sentimento...parabéns e obrigado

    Bj

    Luis

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  3. Luís: Obrigado pelo teu comentário.
    Quando comecei este pequeno delírio, nem eu sabia onde me levaria, e ainda não sei. Tem sido escrito ao sabor do vento...
    Beijo

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  4. Adorei visita-la !

    Permita-me segui-la !

    um beijo!

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  5. Sem palavras Carlota, muito bom. Parabéns.

    5 bjs

    Cozinha dos vurdóns

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  6. Cozinha dos vurdóns um apreço enorme pela vossa visita.

    5 beijos de volta!!

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  7. Sem duvida que este capítulo foi um pouco forte, e a menina consegue que nos envolvamos profundamente.
    Adorei menina Carlota.

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  8. Anónimo.
    Forte ao ler, como forte foi ao escrever.

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