sábado, 16 de abril de 2011

Um Delírio VIII

Beijo
(Edith Blin 1891/1983))

(continuação)

"-O que encontraste?" - perguntei."-Deixa. Um dia conto-te."As nossas mãos continuavam juntas. Por mais estranho que parecesse eu estar de mãos dadas com um desconhecido, que teria idade para ser meu pai, eu sentia-me confortável.
Os seus olhos deixaram de estar tristes. Através deles senti uma calma como nunca tinha sentido.
"-José! Filho! Chegaste!" - gritou Jacinta.
Correu até junto do filho. Abraçaram-se. José elevou sua mãe no ar, deixando-a um pouco sem jeito. Os seus olhos brilhavam de alegria e pequenas lágrimas teimaram em sair. Aquelas duas caras deixavam transparecer um misto de alegria, saudade e dor, profunda dor pelo afastamento dos últimos anos.
"-Maria, estás aí, filha?"
"- Sim D. Jacinta." - respondi com receio de estar a incomodar aquele encontro.
"- Anda conhecer o meu José!"
"- Mãe, deixe a miúda! Nós encontrámo-nos à pouco no riacho. Estávamos a colocar a conversa em dia." - disse piscando-me o olho.

Os dias foram passando normalmente.
Por vezes, via o José passar ao longe. A minha mãe tinha dito que ele sofrera um grande desgosto. Por vezes via-a conversar com a D. Jacinta, mas como diziam que era conversa de adultos afastava-me sempre um pouco.
Os meses foram passando.
Por vezes, encontrava José perto do riacho, a chorar. Queria chegar perto e confortá-lo., mas ao sentir a minha presença, levantava-se e ia embora.
Um dia ao chegar a casa, vi a minha mãe à porta a chorar.
"- Mãe, que se passa? Porque chora?" - perguntei um pouco assustada.
"- É o teu pai, filha. Já não vai para novo."
Passei a porta da rua, entrei e vi o meu pai deitado na cama. O dr. Jorge encontrava-se a seu lado.
"- Dr. o que tem meu pai?"
"- Maria, filha vai lá para fora, deixa o dr. trabalhar descansado!" disse com uma voz tão fina, tão sumida, como se estivesse longe, tão longe.
O dr. Jorge olhou para mim. Com os seus olhos, fez sinal para me retirar.
Amuei. Não queria sair dali. Queria saber o que se passava.
"-Maria, já te disse, sai! É uma ordem!" disse em tom enfurecido.
Eu não ia sair, queria ver o que se estava a passar.
Senti uma mão agarrar a minha. A outra tocou o meu ombro. Estremeci. Conhecia aquele toque. Tinha-o sentido já a alguns anos.
"- Maria vem comigo!" - disse uma voz tão meiga, que me fez voltar a cabeça. Eu conhecia aquela voz. José. Só poderia ser o José.
Os meus olhos ficaram presos ao seu olhar. Senti a sua mão puxar-me. Levou-me para fora de casa. Andámos alguns metros, quilómetros, nem sei.
Chegamos perto do riacho onde nos tínhamos encontrado a primeira vez.
Os anos tinham passado por nós. Estava a poucos meses de fazer 15 anos.
Parámos. José voltou-se para mim. Ficámos de mãos dadas, bem perto um do outro. Os nossos olhos tentavam ver bem dentro um do outro. Vi desejo, vi amor, vi paixão naquele olhar que pouco a pouco ficava bem perto do meu. Fechei os meus olhos. Senti a mão de José acariciar a minha face. Senti a sua respiração tão perto, tão perto.
Senti os seus lábios encostar nos meus. Ardentes, quentes. Deixei-me ficar. Aos poucos senti o meu corpo ser envolvido pelos seus braços.

(continua)

4 comentários:

  1. A história continua a nos envolver cada vez mais! Continuo sempre à espera de um novo capitulo. No entanto deixo uma pequena critica. Não havia necessidade de, nesta historia, haver uma relação entre um adulto de talvez 40 anos e uma menor de 12 anos...fica feio.

    Luis

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  2. Caro Luís, anda distraído a ler o meu "Delírio". No 1º escrevi que Maria (15) casa com José (40), de facto é uma diferença de idades muito grande.
    Mas como não é uma história actual, quantos de nós não conhecem pessoas que casaram cedo, casamentos impostos pela família.
    Aceito a crítica, poderia sem dúvida ser uma diferença menor.
    Este delírio tem lá escrito ".. a poucos dias de fazer 15 anos..". Distracção!!!!

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  3. Cada capítulo,nos apegamos mais, e ficamos com água na boca.

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  4. Anónimo.
    A intensão é essa.
    Ficarem presos ao meu "Delírios".

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