segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Um Delírio XXV

(continuação)

Decidi não contar a Ana Maria o que se tinha passado, não a queria assustar.
Já tinham passado catorze dias desde que tinha saído de Lisboa e nunca me tinha apercebido que houvesse alguém a vigiar-me. Sempre andei de um lado para o outro, as conversas não tinham sido às escondidas, os encontros também não, não havia nada de anormal que me fizesse suspeitar que tais pessoas também viajassem para África. Que iriam lá fazer?
No dia seguinte era o dia da chegada a Angola. Para onde iria? O que me iria acontecer? Agora sabia que iriam estar sempre a vigiar-me, já não sentia a liberdade como tinha sentido nestes últimos dias, como tinha sentido em toda a minha vida. Adormeci...
A azáfama da chegada fez com que toda a gente andasse atarefada. O arrumar dos quartos onde tinham ficado, as roupas, as despedidas antes da chegada, a chamada dos militares para lhes indicarem para onde se deveriam dirigir quando desembarcassem. E eu? Para onde iria?
Fui procurar Ana Maria.
Encontrei-a debruçada sobre a proa. O vento quente ondeava o cabelo loiro. O vestido cintado desenhava o seu corpo formoso. Fazia sonhar qualquer homem, imaginar uma mulher assim a nosso lado. Mas para mim Ana Maria era como uma irmã. Intimamente tinha jurado protegê-la e levá-la sã e salva para casa.
"- Estás aí, José?"
"- O quê? Ah sim, andava à tua procura."
"-Já me encontras-te! Anda aqui para o pé de mim. Quero estar a teu lado quando avistarmos Angola."
"-Acho que ainda faltam algumas horas."
"-Não faz mal. Quero ficar aqui contigo um pouco."
Será que o tal homem também "visitou" Ana Maria?? Não lhe podia perguntar nada, não a queria preocupar. Tinha que aguardar que ela me dissesse alguma coisa. Ficámos a conversar coisas banais da nossa infância, juventude. Conhecermo-nos mais um pouco.
À medida que chegávamos mais perto de Luanda, o tempo foi ficando escuro. As nuvens sobrecarregaram o céu fazendo adivinhar uma tempestade tropical como já tinha ouvido dizer a alguns tripulantes do navio. A temperatura continuava alta. Esta mudança no tempo quase que era um prenúncio de como iria ser a nossa vida em Angola.
"-Ana Maria é melhor irmos para dentro."
"-Não! Vamos ficar aqui. Quero ver tudo, quero sentir a chegada nem que seja à chuva."
"-Vamos para dentro!"
"-Por favor José fica aqui comigo!"
Senti a mão de Ana Maria segurar a minha, puxando-me para junto dela. Os nossos olhos encontraram-se. Encontraram-se de uma maneira especial. Ela chegou-se mais perto, o seu corpo tocou o meu, senti a sua respiração perto de mim.
"-Fica!"
Encostou a sua cabeça no meu peito e ficámos assim os dois a presenciar a chegada a terra. À medida que nos fomos aproximando a chuva teimou em cair cada vez mais forte, mas nenhum de nós se moveu. Abracei-a mais um pouco para sentir o seu corpo bem perto do meu.
"-Não te preocupes, irei proteger-te enquanto aqui estivermos."
"-Eu sei Ana Maria. Mas só como amigos."
Ela desviou-se um pouco, olhou para mim e disse: "-Amigos!".

Quando o navio atracou, cada um voltou ao seu quarto para ir buscar as malas.
Combinámos encontrar-nos no início das escadas antes da descida. Mas quando ia a sair do quarto, vi o mesmo homem do dia anterior. Dirigia-se para mim. Entregou-me um envelope. "-Dirige-te a esta morada e entrega este envelope, estará lá alguém à tua espera. Não te esqueças!" e seguiu.
Será que aquela gente nunca mais me iria deixar sossegado?
Quando cheguei perto de Ana Maria ela notou que algo que não estava bem. Disse-lhe que estava nervoso com toda esta novidade e descemos as escadas.
Tinha chegado a África, Angola. Tinha chegado não para uma, mas para duas guerras.

(Continua)

8 comentários:

  1. Nunca é uma guerra só não é mesmo?
    Figuei feliz em ver que está escrevendo e faça isso sem parar, bom ou ruim, não importa, escreva.

    O realejo diz que será feliz.

    bjs meus e um abraço bem apertado, que traduzindo se pode ler. NÃO PARE.

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  2. Continue em alegres delíros no ano de 2012 Carlota que eu vou por aqui passando e vou-me deliciando com os seus delírios.
    Bjs e BOM ANO!!

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  3. Minhas Cozinheiras Princesas.
    Tenho mesmo que escrever sem parar, recebi de Natal uma caneta e um livro em branco, com muita folha para escrever, eheheh
    7 beijos brilhantes

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  4. Carlota
    A "estória" vai-nos fazendo tentar adivinhar o seu fim. Embora ficção, tem muito realismo e suspense.
    Vou esperando por mais.
    Beijo
    Rodrigo

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  5. Rodrigo.
    Uma ficção inventada por mim, que tem que ter alguns momentos reais (para não meter o pé na argola)e é deixar a inspiração voar.
    Obrigado pelas suas palavras.
    Beijo

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  6. Bem, este foi o "capítulo" de que mais gostei até agora. O remate final está de génio.

    Vá continuando, que nós cá estaremos para a ler! :)

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  7. Vou acompanhando, e saboreando o desenvolvimento da saga do josé e companhia. Gostei menina Carlota. Bj.

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