quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Um Delírio XXIV

Rapidamente me vi envolvido por um abraço forte. Como soube tão bem "aquele" abraço. Porém as fortes dores corporais, fizeram-me retorcer um pouco.
"-José, que bom ver-te, homem!"
"-Ana Maria, estás bem!"
"-Claro que estou bem. Eles quebram, mas não partem."
O meu pensamento levou-me aos últimos dias da minha vida. Dias que preferia esquecer, mas que de momento fizeram-me ficar triste. As lágrimas correram umas atrás das outras, e o abraço a Ana Maria ficou forte, apertado.
"-José estás a magoar-me!""- Desculpa Ana Maria." - afastei-me um pouco, mas não o suficiente, para deixar de sentir o cheiro bom que emanava pelo ar, que vinha dela. Depois de contar o que se tinha passado comigo, queria saber o que lhe tinha acontecido."- Já sou habitual nessas andanças. Os meus pais sempre foram pessoas contra o regime que se vive em Portugal. Muitas vezes fomos todos presos, mas nunca conseguiram que denunciássemos nenhum dos nossos camaradas. O maior desgosto da minha mãe é não saber onde está o meu pai. Um dia levaram-no para Caxias e nunca mais o vimos. Ainda tentámos o Aljube, Tarrafal, mas ninguém nos diz nada. Naquele dia que nos apanharam no jardim pensaram que eras o Júlio que está em França e que de vez em quando vem a Portugal. Quando lhes disse que tinhas vindo da aldeia, nunca tinhas vindo a Lisboa e que te estava a mostrar a cidade, acreditaram em mim, mas disseram-me logo que tinha dois dias para me apresentar no Quanza e seguir para Angola, não..."
"-Angola? Ana Maria vamos para Angola? Para a guerra? Se sabiam quem eu era, porque não me deixaram seguir a minha vida? Angola porquê?". As lágrimas voltaram a correr ininterruptamente. Que seria da minha vida?
"-Eu vou estar contigo. Vou fazer parte da equipa de enfermagem. Tento colocar-te no hospital para não ires para a frente de batalha. Não te preocupes José, irei tomar conta de ti."
Ao ouvir aquelas palavras, e sem saber explicar, senti que estava em segurança perto de Ana Maria.
Só então reparei que havia mais gente no pequeno quarto onde estávamos.
Os dias foram passando calmamente na companhia de Ana Maria e dos seus amigos, que também já eram meus amigos. As outras pessoas já não olhavam para mim de soslaio, afinal tudo ali estava para ir para a guerra, a guerra em África.
Sabia que tinha começado à quatro, cinco anos, já tinham passado na aldeia a recrutar homens para a missão, mas não sei como, tinha sempre ficado para trás. E agora estava ali.
"-Amanhã chegamos a Angola. Quando desembarcarmos fica perto de mim."
"-Claro que sim. Assim como tomarás conta de mim, também tomarei conta de ti para te levar sã e salva para Lisboa de volta a casa."
"-Não preciso que tomem conta de mim!"
"-Amigos Ana Maria, só amigos!"
Aqueles últimos dias na companhia de Ana Maria, fizeram-me esquecer um pouco o terror que me tinha acontecido. Nunca mais queria estar numa situação daquelas, embora aquela para onde ia, não fosse a mais agradável, mas no momento seria o paraíso comparado com o que passei. Despedimo-nos com um abraço, como sempre fazíamos, e segui para o compartimento que tinha sido o meu quarto nos últimos 14 dias. Por momentos senti que estava a ser seguido, mas devia ser imaginação, pois havia tanta gente no barco, que era normal seguirmos uns atrás dos outros para onde quer que fossemos. Mas aqueles passos pareciam estranhos, não um passo normal, mas continuei. Quando cheguei à porta do meu quarto voltei-me e ali estava um rapaz novo, parecia mais novo que eu, olhava-me com um ar estranho.
"-Boa noite!" - disse.
"-Boa noite!" - avançou na minha direcção. Senti o meu corpo estremecer, relembrei o meu pesadelo, o meu coração disparou, uma angústia assolou o meu corpo.
Passou lado a lado comigo e seguiu pelo corredor. Fiquei a olhar para ele. Senti um alívio enorme. Não era nada. Só coincidência de passagem.
Quando olhei em frente, vi um rosto bem perto do meu.
"-Não te esqueças, estamos de olho em ti, sempre!"
Agarrei com toda a força a maçaneta da porta para não cair, pois as forças caíam em pique, em direcção ao chão. As pernas tremiam, todo o meu corpo tremia. O pesadelo não tinha acabado.

12 comentários:

  1. Nem imagina a felicidade em ler esse trecho gigante, como a muito não se via. A postos e mortas de curiosidade.

    bjs das 5

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  2. A empolgar e a encher a curiosidade.

    Beijos.

    BFDS

    Raul

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  3. Carlota
    Um suspense, que vai crescendo.
    Beijo
    Rodrigo

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  4. Princesas Cozinheiras.
    Vamos ver o que vai ser a seguir. Já está tudo imaginado, pensado na minha cabeça, é só deixar o pensamento sair calmamente.
    Até o fim eu já sei qual será. Surgiu como que por magia, num momento triste, em que acompanhava uma colega num momento de dor (morte da mãe).
    Vou tentar não demorar muito tempo desta vez.
    5 beijos brilhantes

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  5. Bloggetrotter.
    Empolgar até ao fim, sempre.
    Sábado de trabalho. mas obrigado na mesma.
    Bom fds para si.
    beijo

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  6. Carlota
    Fico a aguardar
    estou a gostar.

    Beijinho e uma flor

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  7. Está num bom momento menina Carlota.
    ( tadinho do José). Bj.

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  8. Anónimo.
    Temos que aproveitar enquanto há inspiração, eheheh
    Beijo

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