terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Um Delírio...V

(continua)
Ainda recordo a primeira vez que vi o Sr. Meireles.
A carrinha da biblioteca itinerante chegava todos os meses, no mesmo dia, à mesma hora.
Quando lá passava, de mão dada com a minha mãe não sabia o que era. Um carro na aldeia, não era coisa que se visse todos os dias.
Imaginava o que seria. O que traziam aquelas pessoas quando de lá saíam? E o senhor que lá estava. Tinha um ar simpático. Sempre sorridente. Falava com todos de igual modo.
Quando me via passar, sorria. Envergonhada, escondia o rosto na saia da minha mãe. Tinha medo daquele senhor.
Certo dia de Outono, em que o tempo começa a ficar frio, as noites a chegar mais cedo, ia para casa mais a minha mãe, quando passou a carrinha por nós. Ouvi o motor parar, e o senhor disse algo à minha mãe. Ela pegou-me ao colo e entrámos na carrinha. Fiquei com medo. Agarrei a minha mãe com todas as forças que tinha. A minha face contra o seu peito, quase que não a deixava respirar. Ouvi-o sorrir.
"- Não tenhas medo pequenota."
"-Peço desculpa, senhor. A Maria não costuma ser assim. Até é uma criança muito faladora, um pouco tímida, mas fala pelos cotovelos."
Ver as paisagens que tão bem conhecia pelo janela da carrinha a passar mais rápido que o normal. fez-me sorrir.
"-Chegámos!"
"-Mais uma vez obrigado, sr. Meireles. Maria agradece ao senhor!"
Não queria. Não queria olhar para aquele senhor, que tanto medo me metia.
"-Maria, como te portaste tão bem, tenho um presente para ti." - Um presente? Para mim? Nunca tinha recebido um presente. Nem sabia o que era um presente. A medo voltei a cara. Diante de mim estava uma cara triste, uns olhos castanhos tristes. A boca sorria, mas o resto não.
"-Não esteja triste! Eu gostei do passeio!" - disse com medo.
"-Toma. Um livro. É para ti. Não precisas devolver como os outros meninos. Este é só teu."
Sorri. Agradeci. E quando ia a despedir-me, disse baixinho: "Não esteja triste. Eu virei vê-lo sempre. Prometo!"
E assim foi.
Durante os anos seguintes, todos os meses lá estava à espera do sr. Meireles. Falávamos de tudo, família, livros, música, escola.
O dia mais triste da sua vida, foi quando casei. Nunca me disse o porquê.
E agora, aparece um neto, que eu nem sabia que existia. Falavam de mim. Como falavam de mim?! Porque falavam de mim?!

Agarrei a carta que acabara de ler. Dobrei-a e guardei-a no livro que não iria devolver nunca mais.
"Ricardo" disse baixinho.

(continuação)

7 comentários:

  1. Já tinha lido este delírio e comentado mas, como acontece às vezes, não deverei ter reparado que não estava validado.
    Em relação à pergunta que me faz,lá no CR, o episódio é verdadeiro, mmas não actual. Aconteceu há uns tempos com uns amigos meus. Escrevi o post na latura, mas não o publiquei até ela estar bem.
    Felizmente, hoje até sorriem quando falam do assunto

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  2. Carlos, não recebi nenhum comentário seu, senão teria publicado, com muito prazer.
    Foi um episódio "estranho",e ao mesmo tempo engraçado. A ligação entre duas pessoas, dois seres ser mágica.

    Obrigado pela visita!

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  3. deve sr da constipação com que estou, esqueci-me de voltar a reproduzir o comentário, que é muito simples: os livros quebram muitas barreiras. A começar pelas que construimos dentro de nós.
    Eu venho vsitá-la com muita assiduidade, só que poucas vezes comento. É falta de tempo, não leve a mal.

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  4. Está assim algo de.... maravilhoso :)

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