Já nada fazia sentido.
A morte de Ana Maria foi um golpe terrível. Bem pior que estar no meio da mata.
Os dias, as noites já não faziam sentido. Nem matar ou mesmo até morrer.
Não me tinham deixado regressar a Portugal para acompanhar o corpo, "Porra!" tinha sido a mim que ela tinha dito as últimas palavras. Fiquei só. Já não me sentia assim a algum tempo.
Numa noite de vigia, o calor era enorme. O espesso arvoredo envolvente, não deixava o ar passar, a humidade no ar era grande, quase não conseguia respirar. O suor fazia o fardamento colar-se ao corpo. A lua cheia, deixava um mar de prata invadir o acampamento. Lá em baixo alguns camaradas fumavam e bebiam Cucas e Nocais. Aquela seria uma camaradagem que ficaria para toda a vida. Para a vida daqueles que dali conseguiriam sair.
Dava por mim a pensar que já não me importava morrer.
A PIDE já não fazia tantas visitas. Acho que tinham percebido que se tinham enganado ou então teriam arranjado outro pobre desgraçado para dar cabo da vida.
Nas noites de vigia, dava muitas vezes por mim a pensar no riacho perto de casa, nos meus pais. Será que eles sabiam por onde andava? Por mais forte que o meu desejo fosse vê-los, não sei se isso algum dia chegaria a acontecer.
Subitamente tiros. De onde? Como? A noite estava tão iluminada. Não tinha visto vultos nenhuns a passar perto do aquartelamento. Mesmo dos postos de vigia perto, nada viram. Agora era defender a "nossa casa", defender os nossos camaradas, os nossos amigos.
Fechei os olhos. No meu íntimo vi um olhar de uma criança, sorria. "Dispara! Dispara, agora!"
Sem saber disparei ao acaso. Os olhos continuavam fechados. Ouvia o som à esquerda e disparava. Ouvia atrás de mim, voltava-me e disparava. Os minutos seguintes foram intensos em tiroteio. Ouviam-se gritos, gemidos. Havia camaradas feridos. Tinha que os tentar defender de onde estava.
Silêncio!
O tiroteio parou. Abri os olhos e a imagem desapareceu. Deixei de ouvir a sua voz. Terei sonhado?
Ao descer do posto de vigia, encontrei camaradas feridos, por alguns já nada havia a fazer. Tentei ajudar quem podia. Uns gritavam com dores, outros com medo, outros simplesmente porque era uma maneira de libertar a raiva.
Amanhecia.
Uma manhã manchada de sangue.
Li este post com um estremecimento na alma, Carlota
ResponderEliminarBeijinho
Um delírio trágico, a deixar marcas nas recordações...
ResponderEliminarBeijos
raul
Excelente, Carlota!!
ResponderEliminarBjs e votos de boa semana
Carlota
ResponderEliminarTanta semelhança com uma realidade que tantos e tantos Portugueses sofreram na pele, no corpo e na mente.
Beijo
Rodrigo
Carlota
ResponderEliminarNão comento!
Pergunto apenas para quando o livro?
Beijinho e uma flor
Estimada Comadre Carlota,
ResponderEliminarUma história real da guerra, algures numa das antigas províncias ultramarinas.
A narração está tão perfeita que até parace que estava lá na altura, eu estive.
Adorei porque conheço a realidade dos factos.
Abraço amigo
Muito bem menina Carlota. Está muito bem documentada.
ResponderEliminarAté a marca da cerveja está correta.
Gostei menina Carlota. Bj.
Esse me deixou presa, preocupada e curiosa. Mas gostei muito da escrita. No fundo me surpreendeu a sua precisão. bjs meus.
ResponderEliminarCarlos.
ResponderEliminarE o estremecimento na alma é bom ou mau??
Beijo pimaveril com cheirinho a verão
Bloggetrotter.
ResponderEliminarUm episódio que nunca vivi na minha vida. É tudo delírio do que poderia ter acontecido um dia, num dia normal, numa guerra.
Beijo
Pedro.
ResponderEliminarObrigado.
Boa semana para si também.
Beijo
Rodrigo.
ResponderEliminarUma realidade imaginada por mim. Tento colocar algumas coisas que existiram mesmo, como o nome das bebidas, de resto, é deixar a alma escrever.
Beijo
Minha Flor.
ResponderEliminarSerá um livro, um dia.
Mais em pormenor, mais elaborado em termos gramaticais. Nem que seja só para mim, pois acho que nenhuma editora iria querer publicar o meu delírio.
eheheh
Beijo
Caro Compadre.
ResponderEliminarNão estive lá, como se sabe, pois ainda nem tinha nascido.
Tenho lido muita coisa sobre o assunto, pesquisado bastante, até mesmo uma foto que veja é o bastante para escrever, inventar uma história.
Sabe que fui convidada para ir a um almoço organizado por militares que estiveram em Angla, em Leiria??? O que eu não irei escrever depois de tanta informação eheheeh
14 beijos
Caro Compadre.
ResponderEliminarMilitares que estiveram em Angola, eheheh Angla não sei onde fica.
Anónimo.
ResponderEliminarBem documentada pois seria um erro enorme enganar-me ou inventar coisas que não existiam.
Aguarde o resto da história.
Beijo
Minhas Belas Princesas Cozinheiras.
ResponderEliminarE a imaginação para este nem estava nada de bem, ehehehe.
Agora é aguardar o desfecho.
7 beijos
Delicioso
ResponderEliminarContinua a escrever este "conto", que me prende a cada palavra
Aguardo por um novo post
Beijinho
Luis
Anónimo Luís.
ResponderEliminarUm "conto" que também me tem deixado feliz por o escrever.
Vou tentar não demorar com mais um "capítulo".
Beijo